segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Senhora perfeitinha


Olhar milimetricamente calculado e sorriso inerte
Assim é a senhora perfeitinha
Com suas diversas qualidades,
Mas que não dentre elas a naturalidade

Com seu marido, diz ela, vive num eterno flerte
Traça objetivos sem risco de que não os acerte
Seus filhos, perfeitos, jamais agem como crianças
Mostra ao mundo que sua perfeição é leve como uma dança

E este mundo fingiria acreditar
Talvez simplesmente por preguiça de se importar
Não fosse a senhora perfeitinha
Ávida critica das senhoras normais

Senhoras normais que perdem a paciência
Às vezes a decência
Brigam em público
Aceitam as falhas com naturalidade
E pasmem...
São felizes de verdade

Só não aceitam críticas
Nem julgamentos
Porque se em briga de marido e mulher
Ninguém mete a colher
Imagina em educação de filho
Aquele que tem nos olhos delas seu mais intenso brilho

Então, o recado é esse:
Senhora perfeitinha,
Boa sorte com seu olhar milimetricamente calculado
E com seu sorriso inerte e talvez covarde
Mas da educação dos meus filhos cuido eu
Que me importo com eles de verdade




domingo, 25 de agosto de 2013

Ene de Nurit


Ene u erre i tê. Tê de Teresa. Se eu fosse Teresa, não teria que soletrar meu nome cinco vezes ao dia. Mas se não fosse Nurit, jamais teria escutado "claro que lembro de você, com esse nome..."
Nascimento? Foi em 1980. O primeiro. Depois nasci como mulher, como independente, como assalariada, como não assalariada, nasci como esposa e nasci como mãe. Duas vezes.
Sou formada em publicidade, mas nunca publicitei. Queria ter feito aromaterapia, mas a gargalhada de meu pai não soou promissora. Tenho MBA em marketing, aquela profissão que tem utilidade para qualquer coisa que se faça na vida. Mas evito falar que sou marketeira. Soa perjorativo.
Trabalho como vendedora por opção. Opção de ser dona do meu tempo.
Tenho mestrado em assuntos do lar. É serio. Não é para qualquer um, não. Não sei pregar botão, nem passar camisa, mas em casa não falta cheirinho de bolo e spray de lavanda para perfumar a vida. Ao final do dia, melhor voltar para o lar do que para uma lavanderia: algumas coisas a gente terceiriza, outras não. Agora, livre docência é na maternidade. Paixão mesmo. Minha formatura está prevista para 2070. Acredita que tem matéria nova todo dia? E tudo cai na prova.
Um dia irei escrever. A árvore eu já plantei.
Cursos de inglês, espanhol e hebraico. De Freud, risoto e mikve.
Alérgica a Sulfa, à necessidade de aprovação, a ser sempre certinha. Mesmo minha maior rebeldia tendo sido largar um estágio numa multinacional para fazer produção executiva de uma peça de teatro de nome impublicável em horário comercial. Atualmente, minha única transgressão é comer carne de porco. Mas por isso tenho sempre bacon no congelador. Sabe como é: em caso de emergência.
Endereço. Me escondo à noite. Durante o dia gosto de ver gente, escutar conversas. De preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Manteiga batida é quase tão sem graça quanto salsinha.
Não quer saber meu signo? Leão. Com ascendente em escorpião. Caso contrário, isso seria apenas uma ficha padrão. Com seis linhas de pura monotonia.

Assinado,
Nurit. Ene u erre i tê. De Teresa.

domingo, 21 de julho de 2013

Desculpe Mulher Maravilha, mas super heroína atualmente é quem consegue mãe, prezada, senhora e amor em meras vinte e quatro horas. E de salto alto.

domingo, 23 de junho de 2013

Home Office

Ligo o computador. Preparo a mamadeira. Respondo um e-mail. Ligo a televisão. Acesso uma fatura. Tá, eu coloco o DVD do Pocoyo. Entro no site do banco. Um de cada vez, agora é O Rei Leão. Quem quer gelatina? Respondo três e-mails. Não deixem cair gelatina no sofá! Onde parei mesmo? Ah, no terceiro e-mail. Daqui a pouco te pego no colo. Prezado cliente. Não precisa chorar. Agradecemos seu contato. Tá, vem no colo. Pfhsdjfhj. Não mexe no teclado do computador da mamãe. Digito um pedido. Tá, pega essa caneta que eu pego outra. Envio o pedido. Gente, preciso de dez minutos para responder e-mails. Alô. Beny, cadê você? Alô? Taly, cuidado para não cair. Atenciosamente, Nurit. Mamãe.

Geléia de morango

Estória com geléia

Ana sentou-se na cadeira e deu um suspiro profundo. Normalmente demora duas horas até ficar bem desperta pela manhã. Tomou um gole do suco de laranja e passou requeijão na fatia de pão tostado. Pensou na geléia de morango que estava na geladeira. "Combinaria bem com o café da manhã". Levantou, abriu a geladeira e passou-a sobre o requeijão. Ficou delicioso.
Deu a última mordida e, ainda com a boca cheia, deixou a louça na pia. Saiu correndo. Estava atrasada. Eram 7:36h.
Ligou o carro e logo estava no primeiro farol da avenida. Estava fechado, assim como os outros três. Calculava sempre a sincronia perfeita entre eles: o primeiro fechado, todos os demais idem. E vice-versa.
Chegando ao escritório, avistou a multidão aproximando-se. Sabia que hoje haveria manifestação agendada em sua cidade e tentou apressar-se, mas as ruas já estavam bloqueadas. Tinha medo de aglomerações e não costumava acompanhar a situação política de seu país. Assim, não entendia direito os que aquelas pessoas reivindicavam. Estacionou o carro a três quarteirões do escritório para fazer o restante do percurso a pé. Ufe.
Logo, sem perceber, foi engolida por uma multidão que gritava algo como "o povo, unido, jamais será detido" ou "vencido".. não lembra ao certo.
Tentava esquivar-se quando avistou um par de olhos verdes que a fitavam. Tentou desvencilhar-se do olhar, mas já era tarde, estava hipnotizada. Dez minutos depois, pulava  embebida por uma energia que jamais sentira e um calor tomou parte do seu corpo. Depois, tomou-o por inteiro. Naquele dia não foi trabalhar. Nem nos outros trinta. Aliás, até hoje, não teve mais tempo de abrir planilha de excel nenhuma. Nunca mais desgrudou do par de olhos verdes. Atualmente, Ana cursa sociologia à noite, após dar expediente em uma ONG que luta por causas sociais diversas. E clama, sempre que pode: "o povo, unido, jamais será vencido".

Estória sem geléia

Ana sentou-se na cadeira e deu um suspiro profundo. Normalmente demora duas horas até ficar bem desperta pela manhã. Tomou um gole do suco de laranja e passou requeijão na fatia de pão tostado. Pensou na geléia de morango que estava na geladeira. "Combinaria bem com o café da manhã". Mas teve preguiça de levantar-se.
Deu a última mordida e, ainda com a boca cheia, deixou a louça na pia. Saiu correndo. Estava atrasada. Eram 7:35h.
Ligou o carro e logo estava no primeiro farol da avenida. Por sorte estava aberto, assim como os outros três. Calculava sempre a sincronia perfeita entre eles: o primeiro aberto, todos os demais idem. E vice-versa.
Chegou ao escritório, estacionou em sua vaga e estava em sua mesa pontualmente, às 8:29h. Alguns minutos mais tarde, da tela de seu computador, acompanhou as passeatas que vinham ocorrendo em sua cidade naquela semana. Desta vez, aconteciam a dois quarteirões de seu escritório.
Às 18:00 desligou seu computador e voltou para casa. Requentou um resto de macarrão ao sugo que estava na geladeira e foi dormir assistindo televisão. Estava cansada e amanhã queria acordar mais disposta. Quem sabe daria tempo de comer geléia?

sábado, 15 de junho de 2013

Quando alguém me diz que o filho de fulana ou sicrana é bem ajustado, imagino se ele vem com porcas e parafusos nas costas e é acionado por controle remoto.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Recém


Recém-casada. Todo mundo comentando como este início é delicioso, cheio de paixão, plenitude e alegria e você lá, pensando que raios está fazendo com um homem vinteequatro horas ao seu lado, num apartamento que, apesar de arrumadinho, não é seu lar de jeito nenhum.
Porque convenhamos, é uma delícia não ter que dar beijo de tchau ao final do domingo ou planejar todo fim de semana onde vocês passarão a noite. Mas segunda-feira costumava ser um dia perfeito para chegar do trabalho, vestir as pantufas e jantar no quarto assistindo a um seriado da Sony. Ou então usar o computador até quando você bem entendesse ou qualquer coisa que desse na telha sem ter que preocupar-se com ninguém mais. Mas agora você tem. E além de dividir seu tempo de dolce far niente, vocês dividem assuntos romanticíssimos como "quem vai pagar a conta de luz", "quem vai na reunião de condomínio" ou "pede pra faxineira passar melhor a minha camisa".
E daí? Daí você sobrevive ao primeiro ano e entra no segundo. Agora sim, cheio paixão, plenitude, alegria e realidade.
Como seria bom se todas as expectativas e promessas fossem dosadas com conselhos verdadeiros. Tenho certeza de que, com exceção do episódio da conta de luz, até a Cinderela sentiu-se assim.
E então, quando tudo está nos eixos, vocês resolvem que é hora de aumentar a família.
E vem a gravidez, o parto, conhecer seu bebê... momentos plenos. Até você chegar em casa onde não tem nenhum botão para chamar enfermeira alguma.
É claro que existem mães com síndrome de Mary Poppins, que realizam-se acordando de duas em duas horas durante a madrugada. Eu quase enlouqueci. Eu e uma série de mães cheias de culpa por não estarem saltitando quando suas vidas viraram de cabeça para baixo, quando tomar um banho ininterrupto ou conseguir tirar o pijama antes das três da tarde tornam-se os pontos altos do seu dia. Claro que você ama aquele mini serzinho, mas este amor ficará absurdamente intenso, incondicional e espetacular após alguns meses. Mães sem síndrome de Mary Poppins estipulam três meses.
E nossa culpa por não estarmos plenas nos momentos "recém" só aumenta com a enxurrada de comentários derivados do "aproveite, esta é a melhor fase da sua vida".
Melhor fase é quando a gente acostuma-se com o novo. E com os novos que realmente importam nessa vida.
Mas acredite, quando você se acostumar, nada - NADA - te fará mais feliz.

(para você, você sabe quem)